Sunday, November 14, 2004

Escravos contemporâneos

Outro dia, em uma conversa entre amigos, disseram que seria melhor estar morto a ser escravo. Seria? Bom, eu, ao menos, discordei. Em um primeiro momento – tive que justificar o meu ponto de vista, claro – abordei o seguinte fato: quem está morto não faz sexo. Não que a vida, diferente do que pensam alguns, se resuma a isso. Mas quem está morto não pode usufruir de nada que esta vida ainda pode vir a oferecer. O sexo, o amor, a brisa fresca em um dia abafado – uma boa chuva! -, o caldo de feijão da tia Joana, o Blues, a capoeira – olha os escravos aí - ... pode esquecer, você morreu. Toda a cultura criada pelos escravos só se tornou possível porque eles resistiram. Imagina se eles fossem suicidas! Eles acreditaram – haja fibra, esses homens merecem o nosso respeito -, lutaram, se rebelaram. Eles enxergavam que havia muito mais e que tudo era possível – ainda é. Poucos se libertaram, é verdade, mas foi preciso que se acreditasse.
O que me parece interessante é que se fala muito da escravidão dos escravos óbvios, mas pouco se discute a escravidão global que move o mundo contemporâneo. Você se acha livre? Mesmo? Pense bem... me desculpe, mas, seja você quem for, te digo que livre você não é. Dinheiro, cultura, padrões, medo de preconceito, a educação do atual sistema de – que forma cópias dos que não foram cópias – e outros infinitos e incontáveis fatores, conduzem a nossa vida dentro de um sistema de completa escravidão.
Eu sei que isso vai te desapontar, mas vou acabar este texto sem concluí-lo. Não quero me tornar escravo dele – embora prefira isso a não poder escrever.

1 comment:

Anonymous said...

-Carol Salomão-
Guilherme, uma beleza esse seu texto!
Participei da conversa sobre escravos e sexo,
surreal por sinal, porque envolvia outras questões como
boi, vaca, galinha, alface pensante que grita e chora, enfim,
fico contente em ver que você pescou a questão fundamental e
compartilhou com a gente. E eu concordo com a sua análise:
A liberdade não é deste mundo.
|Beijão|