Friday, November 26, 2004

Como poucas coisas na vida

Gosto da escuridão. Me fascina apagar as luzes e dar um basta ao cotidiano caótico. Andando pela casa, escovando os dentes ou deitado na cama a refletir. No escuro tudo faz mais sentido. Não existe pressa, exigências ou qualquer coisa que seja. Só existem eu e o nada, eu e o escuro. As paredes e os móveis ganham um novo sentido, uma outra vida mais serena. Não ouço gritos, telefones tocando ou buzinas malucas. Escuto o som das árvores, quando o vento nelas se esbarra. Pessoas guardando caixas e arrumando salões após as festas. E uns freqüentes - mas nem tanto - carros passando nas ruas.
Fico quieto imaginando os sons que vêm de fora, ao longe, tão distantes quanto a minha imaginação puder se deixar levar. No silêncio, e iluminada pelas sombras e pelos reflexos, a noite ganha o seu charme, propiciando um encontro sincero e justo – além de merecido – de nós mesmos com os nossos próprios pensamentos. Esse é o tipo de coisa que não costumamos valorizar, simplesmente porque nem sempre nos lembramos que esses momentos ainda existem. A rotina nos toma o tempo e a atitude de tal jeito que deixamos muita coisa para trás.
Isso me faz lembrar de uma menina que eu até hoje não consegui entender, tamanha a diferença entre cabeças. Certa vez, ao declararmos nosso amor pela arte do cinema, disse a ela que quando saio de um filme muito bom – tão bom que eu entro nele -, ao voltar para o mundo real, não consigo me desprender por completo, e que eu sentia falta de algo que uma vida normal não seria capaz de suprir. Ela, então, me presenteou com uma resposta inesperada. “Não tenha uma vida normal!” Essa frase ficou de tal forma marcada em minha memória, que eu acredito ter sido esse o motivo de nossas vidas terem, por um curtíssimo espaço de tempo, se mirado. Isso e - claro, como poderia me esquecer - a boca mais saborosa que eu já encontrei.

1 comment:

Mauro said...

Ah, acabei de entender que a mudança brusca de assunto em 90% dos seus textos é justamente seu estilo pessoal. Tinha esquecido que fora dos relatorios a gente tem direito a essas coisas. Acho que comecei a gostar disso.
Abraco!
PS: sexta feira teve show dos Pixies bem no estadio da minha universidade (vc gosta?).