Tuesday, December 21, 2004

O Monstro

Estaria eu apático
Admirando toda a desgraça
Deste mundo podre?
Um mundo gasto...
Repetições,
Reciclagens
Nada de novo
Tudo que um dia se foi, agora volta
Um retorno da merda
Da inutilidade
Da existência sem valor

Saturado de tudo isso
Meu olhar – sem o menor saco -
Desfere desprezo
Seria eu um monstro, daqueles de duas faces?
Ou teria distúrbios de personalidade?

Apenas um idiota se preocuparia com isso
Pois é irrelevante
Como todo o resto
Cada janela
Cada quarto
Cada perfume
Cada foto
Cada poema

Eu sou um dragão com uma caneta
Na mão
Só quero cospir fogo
Queimar tudo
Essa aberração deve acabar

Nada de exclamações
Sem exaltação
Apenas análises
Críticas – lamento, não são capazes de mudar as coisas –
Mas sem o sentimento antigo
Da revolta
Esse eu deixo para as crianças
Choram ao descobrir
Que Papai Noel não responde
- nunca ouvi falar de Papai Noel no Haiti –


Nem Papai Noel
Nem Deus
Nem os nossos sonhos

Sozinhos até o dia de nossa morte
Vagamos por aí
No Rio,
Em Paris
Ou em Burma – onde se prende quem ganha Nobel da Paz –

Na seca,
No suor
Ou no frio
Dos flocos de neve
Que alimentam sonhos pueris por tudo aquilo
Ainda não conquistado

A vida vai
Os anos já bateram a porta
Eu vou ficando mais velho e mais chato
E a babaquice se repete
Na TV,
Nos jornais,
Nos discursos

Todos querendo alimentar nossos sonhos
Para se suprir, agradar a si mesmos
Um favor egoísta
“votem e sejam meus amigos
Ou queimem no mármore por estarem errados”

Pro inferno o certo e o errado
Isso ou aquilo
Tudo invenção
Colírio industrializado
Histórias da Carochinha
Conversa pra boi dormir

Sem vontade de escrever
Pego esta caneta e esse papel
E entendo um pouco mais
Como anda o meu humor
Coincidindo o fim deste poema
Com o fim de mais uma página

Sunday, December 19, 2004

O que é lindo pra você

O que é lindo pra você, Guilherme? Bom, essa é uma pergunta difícil de se responder, principalmente porque eu não conheço todas as coisas existentes e, por isso, seria complicado de dizer que é isso ou aquilo apenas. Se é para ser preciso e não me é possível, acho que não tenho como responder a essa pergunta.
A beleza pode ser encontrada, sob o meu ponto de vista pessoal, onde achamos que ela está, ou em lugares nos quais nem costumamos dar atenção. Ela pode estar no corpo escultural de uma Gisele Bündchen ou no talento para o teatro da Fernanda Montenegro. Uma saciando os olhos e os instintos, outra suprindo a nossa busca por um preenchimento, por um significado. Poderia ser um exemplo de beleza também a história de vida de um velho engraxate, que ao contar suas aventuras desde os tempos de moço e como foi a sua vinda para a sua cidade atual, nos enche de emoção e nos inspira para alterarmos algo na vida de cada um de nós. Particularmente, uma boa conversa vale mais do que uma bela foto.
Quando falamos da escravização que a mídia nos faz para sermos protótipos do último tipo convencionado de beleza, temos que tomar cuidado, muito cuidado. É como quando falamos sobre o capitalismo, que somos contra ele, mas sem ao mesmo tempo levarmos em conta de que somos uma peça fundamental de todo esse esquema. Que levante a mão aquele que não deseja comprar nada, nenhum bem ou produto que seja. Não podemos nos excluir de um olhar crítico como se fôssemos invisíveis, não fazendo parte de uma conspiração ou de um sistema do qual fazemos parte. Uma vez vi um cara fazendo uma crítica aos Ramones, dizendo que eles são rebeldes demais para quem faz parte do sistema, que assim era muito fácil. Falar mal do cara que distribui o seu cd pelo mundo todo e faz com que você seja conhecido fica meio estranho mesmo. Quero ver fazer um show com um violão caseiro, feito a mão, em uma comunidade indígena. Vale lembrar que o guitarrista dos Ramones fez a cabeça dos outros integrantes da banda para que todos usassem o mesmo estilo de roupas, porque eles tinham que parecer cool e revoltados. Agora, voltemos à aparência física. Quem aqui nunca levou em conta ou, no mínimo, nunca deu uma olhadinha para ver se o (a) pretendente era bonito (a). Nem mesmo sabe de cabeça uma pessoa a qual admira o rosto ou o corpo? A maioria sabe qual é o seu tipo físico, e estilo, preferido, não tem outra.
Consumismo é algo que eu critico, por exemplo, mas, embora eu critique os outros, é sempre bom lembrar que eu tenho os meus cd´s, a minha TV, os meus livros e que se tiver mais dinheiro comprarei outros. Não vejo ninguém comprar a comida necessária e separar todo o resto para os pobres e nem nunca ouvi falar sobre alguém que fizesse isso. Outra coisa, quando falamos de beleza, temos que lembrar que existem diversos padrões, sendo que uns mais na moda do que outros. Nem toda pessoa magra é bonita e,ao mesmo tempo, encontramos diversos gordinhos (as) que são. A beleza estética mais valorizada hoje não é a mais bonita, ela é a da vez.

Saturday, December 18, 2004

A beleza do corpo

Quando penso no assunto muito me vem à mente. Desde a definição atual de nu artístico – ou o que deveria representar isento dos traços culturais da época – à idolatria dos corpos esculturais, atualmente reinados pelas mulheres com uma alimentação baseada em coca light – guaraná light é muito melhor, além de ser mais Brasil do que a Coca.
Vejo que muito se separam as visões atuais do que deveria ser admissível ou correto. Uns declaram que nudez é putaria, que isso é uma prostituição descabida, fora de sentido. Outros defendem exatamente o oposto – calma lá, com certos limites; ou não? -, que nudez é arte, o que é belo deve ser visto e que o grupo do contra é conservador como a monarquia medieval. Mas, sem se colocar em nenhum dos extremos, vejo que a mídia tem feito um meio de campo tentando agradar às duas partes, trabalhando o culto aos corpos enquanto cuida de não escandalizar geral – “não tenha medo, eu vou devagarzinho”, parece pairar no ar.
São tantas meninas que se dedicam à cultura da alface como filosofia de vida que chega a dar pena – não se esqueçam que meninos também! Todos querem ser os mais bonitos, ficar famosos e aparecer. Infelizmente se esquecem de que esse tipo de carreira é, por definição primária, efêmera, que existe uma demanda diária por uma nova cara a ser idolatrada por sua beleza ignorante – tão raro serem entrevistadas.. seria pelo seu grandioso nível de intelecto?; algumas são inteligentes, sim, mas não é tão fácil como plantar chuchu na serra. Idolatrasse a imagem, o exterior, mas se esquece muito do significado disso tudo. Logo agora que o acúmulo, e a facilidade da troca, de informação se mostram infinitamente mais simples do que em qualquer outro momento na história da nossa civilização – terráquea, no caso.
Agora voltemos à discussão sobre o que seria aceitável. Tem gente, no caso muitos artistas plásticos e cineastas, defendendo com unhas e dentes que o nu é uma coisa simplesmente natural – nunca vai deixar de ser, mesmo – e que esse preconceito com relação ao seu uso na expressão é uma forma de dar a ré na evolução do pensamente, algo que partiria principalmente da influência de certos fanatismos – vou ficar um tempo sem falar de religião por aqui – e imposições culturais, que por muito tempo serviram de alicerces para julgar o que seria certo ou errado. No meu caso, olhar uma mulher linda nua, despida de qualquer inibição, é algo completamente aceitável. Não vejo nenhum impedimento à isso, absolutamente normal. Apenas acho que os livros do Roy Stuart custam muito caro.

Wednesday, December 15, 2004

Agora é com vocês!

Qual é o seu CD favorito e por que?

Tuesday, December 14, 2004

Valsinha

Um dia ele chegou tão diferente do seu jeito de
sempre chegar
Olhou-a de um jeito amais quente do que sempre
costumava olhar
E não mal disse à vida tanto quanto era seu jeito de
sempre falar
E nem deixou-a só num canto, pra seu grande espanto
convidou-a pra rodar

Então ela se fez bonita como há muito tempo
não queria ousar
Com seu vestido decotado cheirando a guardado
de tanto esperar
Depois os dois deram-se os braços como há muito tempo
não se usava dar
E cheios de ternura e graça foram para a praça e
começaram a se abraçar

E ali dançaram tanta dança que a vizinhança toda despertou
E foi tanta felicidade que toda a cidade se iluminou
E foram tantos beijos loucos, tantos gritos roucos
como não se ouvia mais
Que o mundo compreendeu
e o dia amanheceu
em paz

(Chico Buarque)

Monday, December 13, 2004

Mal, muito mal

Não lhe entendem
Não se importam com suas idéias, seus pontos de vista
Mas agora já é tarde demais
Sozinho
Ele sai
Em busca do seu lugar
Como todos os outros
Mas não é um lugar comum
Nem mesmo o que ele desejara ou quisera um dia
É um lugar que se tornou sua única opção
Seria ele egoísta, egocêntrico?
Mau?
Maus são aqueles que não escutam porque está tudo bem com eles
Mau é ser impune, não sofrer pelo que faz
Ele já sofre
Já está mal
De mal pra mau é só um passo, uma letra apenas
Um passo em busca de um espaço
Merecido sim, porque não?
Sem acreditar em certo ou errado
Analisando caso por caso
Ele está errado, mas tem razão

Friday, December 10, 2004

Sítio de Janeiro

Acabei de colocar uma pizza no forno. Mas, enquanto espero, fico indignado ao refletir sobre a minha cidade maravilhosa.
O caso agora é sério. Trata-se de violência atrás de violência. Violência nas ruas, violência nas praias, violência na noite, violência aos nossos ouvidos e às nossas expectativas. A todo o momento podemos encontrar notícias de novos assaltos a mão armada, mortes, tráfico dominando o morro – tanto faz qual, cada dia é um diferente – , “soluções” como o Tolerância Zero – o projeto já começa mal pelo nome – e tiroteios entre polícia e quem quer que seja no meio das ruas. Mortes, acidentes e mais mortes. Vemos turistas chegarem aqui com os olhos brilhando de felicidade, pouco antes de perceberem que por traz de todo esse calor humano existe um costume cultural de encarar a guerra civil – não enxerga quem não quer - como uma coisa normal, cotidiana.
Olhemos para os nossos governantes mais recentes. César, colocou um porte enorme com um globo de luz no meio da General Osório, enquanto crianças vivem sem saneamento básico, e diz que conhece o Rio e que o seu maior desejo é dirigir essa cidade que ele tanto ama. Outro dia ele avisou que não quer mais, desistiu. Conde, não preciso dizer muito além do fato de que, após ser vaiado em sua visita ao Circo Voador, mandou fechar o insubstituível reduto da cultura musical carioca – reaberto este ano. Quanto a Rosinha e Garotinho, sem comentários.
Não bastasse isso tudo, acrescento outro tipo de violência que ataca o carioca atualmente. Ao buscar um lugar para sair à noite, se o cidadão resolve ir a um show de bandas de rock ele está em maus lençóis. Não consigo acreditar como é possível que existam tantas bandas de péssima qualidade como tenho visto nos últimos tempos. Tirando os Los Hermanos – que atualmente não conseguem nem ao menos fingir que o show é empolgante ou se dedicar um pouquinho na qualidade quanto à execução das músicas – o Rio está praticamente órfão. Não se engane com folhetos anunciando shows com diversas bandas, aniversários de selos independentes ou seja lá o que for. Geralmente as bandas são ruins, se não forem péssimas. O carioca está se acostumando com a cultura zero. Estamos empurrando tudo para São Paulo e o que produzimos aqui dentro não serve nem mesmo para os amigos aturarem. Decretemos estado de sítio!
Trocando em miúdos, o Rio de Janeiro vai de mal a pior com a violência física, os assaltos, a enorme variedade de bandas ruins e uma administração que, além de não dar conta do recado, não cumpre suas promessas e avisa que desistiu. Agora o que nos resta é subirmos todos para os morros, armados e dançando a popozuda. Droga, minha pizza torrou!

Thursday, December 09, 2004

Sonhos e idolatria

Inocente, não buscava nada de muito grande
Queria apenas viver sua vida
- uma vidinha tranqüila -
mas foi forçado, pelas forças enigmáticas do destino
Não escolheu, foi escolhido
Uma busca incessante por algo que não sabia o que era,
mas que o possuía
Já pequeno ele encantava o povo de seu lugarejo
E seu poder crescia conforme sua estatura

Viajou mundo afora em busca de novos desafios
Novos caminhos
Desenvolveu qualidades impossíveis para uma cultura limitada
como sua terra natal
Se tornou um ídolo
Todos o queria, todos queriam a sua força
Lutavam com unhas e dentes por um pedaço seu

Até que um dia seus poderes não fizeram mais efeito
Aos poucos deixou de conseguir repetir o que sempre fizera
Sua legião de seguidores foi se dissipando
Já não era mais um modelo para os outros
E, como se não bastasse todo o seu desapontamento,
Foi esquecido também como ser humano
Ninguém queria saber de alguém que havia destruído seus sonhos
Sonhos que eram apenas dos outros, porque ele nunca desejara nada
Nunca sonhara com o que não tinha antes

Sonhara apenas com as águas do rio,
o vento no campo
e a chuva no fim da tarde, que permitia cair sobre seu corpo
O que sempre irritou sua mãe – mas ele não se importava

Mas agora ele sonha com isso por entre fortalezas
Cinzas e sujas
Que não se importam com ele,
da mesma forma como ele não se importa com elas

Wednesday, December 08, 2004

Cadê? Ali, achei! Corre, pega ele antes que fuja!

Falta tempo. Não há tempo suficiente que dê conta de todas as necessidades existentes na vida de uma pessoa, não hoje. As notícias que precisamos saber, os conceitos básicos que precisam ser estudados, o "know how", que só se adquire na prática, demandando, portanto, mais tempo. Três refeições por dia - para os controlados -, um ou dois banhos - conheci gente que tomava três, mas acho difícil acontecer com muitos -, higiene dental, telefonemas.. ah, que suplício! Tem dias em que o telefone não para de tocar e nem mesmo são as pessoas que você espera ansioso por uma chamada. Temos também os engarrafamentos. Nesses, só Deus sabe quanto tempo nós gastamos.
É uma busca frenética pela evolução e uma competição desleal com nós mesmos, porque, veja só: para você ser um bom - ok, excelente - profissional você precisa estar sempre fazendo cursos, sabendo de tudo que acontece e ainda assim não pode se esquecer que sem uma vida própria nada disso adianta. Nada vale ou faz sentido se você não tem vida. "Quero ser um excelente computador, uma máquina perfeita; não ligo para vida própria." Bom, aí o problema já é seu.
Um momento para respirar faz bem pra mente e eu gosto.
Mas há tanta coisa acontecendo de importante, tanto conhecimento sendo gerado e transformado a cada instante, que eu nem ao menos sei por onde começar. Neste momento estou em dúvida, não sei qual dos caminhos vou tomar agora.
Rápido, não perca tempo! Seja perfeito antes que o seu ideal de perfeição esteja ultrapassado!

Monday, December 06, 2004

Albert Einstein

“Não sabendo que era impossível, ele foi lá e fez”.

“Não basta ensinar ao homem uma especialidade, porque se tornará assim uma máquina e não uma personalidade. É necessário que adquira um sentimento, um senso prático daquilo que vale a pena ser apreendido, daquilo que é belo, do que é moralmente correto”.

“Cem vezes por dia eu me lembro que minha vida interior e minha vida exterior dependem do trabalho que outros homens estão fazendo agora. Por causa disso, preciso me esforçar para retribuir pelo menos uma parte desta generosidade – e não posso deixar nenhum minuto vazio”.

Saturday, December 04, 2004

Despedida

Um beijo e desligo o telefone. As coisas não serão mais as mesmas a partir de agora. Uma mudança repentina – nem tanto, na verdade, já era esperada – faz com que os rumos de nossas vidas se alterem, quando pareciam já estar estabelecidos. Uma doce inocência. Cada um agora viverá em uma cidade diferente. Aquelas lembranças passarão do cotidiano para o museu. As tardes após o almoço, as brigas de cada dia.. meu Deus, eu nunca pensei que sentiria tanta falta disso! Nada mais de boa noite. Somos só eu e a minha consciência, a minha saudade, e o mesmo vale para aquele que parte.O telefone substituindo a presença em carne e osso – quem me dera que fosse a mesma coisa. Mais uma vez, isso já era de se esperar, algum dia haveria de acontecer. Nossas vidas podem nunca mais ser as mesmas, enquanto que as lembranças, tampouco valorizadas até o presente momento, sobem em disputa com a cotação do euro. Gostaria de ter conversado mais, de ter ouvido mais, de ter tentado entender mais. Talvez eu não precisaria chorar tanto. Ao menos esse seria um consolo. Inútil, mas eu poderia usar para tentar enganar a mim mesmo.

Friday, December 03, 2004

Os Ignorantes - texto revisado

12/08/2004, 23:37h
Acabei de chegar em casa. Uma calma... A casa vazia, sem ninguém
vendo TV na sala. Estão todos de viagem, menos eu. Todos, no caso, os que moram comigo. Não sei por que, mas eu gosto disso. Não que eu não goste da presença deles, muito pelo contrário. Mas gosto de ter esse espaço, essa privacidade. Ficar sozinho por uns tempos, sem ter que dar satisfação pra ninguém, sem ter hora pra almoçar. Andando de um lado para o outro, pensativo. Apenas eu, aqui com as minhas idéias. Uma viagem só, e sem ninguém pra me interromper gritando o meu nome.
Eu estava lá no Shopping da Gávea, batendo um papo com a minha amiga Elisa. Elisa e eu estávamos sentados em uma mesa no segundo andar. Tomávamos um café, enquanto conversávamos sobre diversos assuntos. Começamos discutindo sobre a reunião que tivemos minutos antes, na Puc, sobre o evento que produzimos no primeiro semestre. Após a reunião, Rodrigo, namorado da Elisa e grande amigo meu, tomara um ônibus e Elisa me convidara para um café. Conversamos coisas banais, como qualquer ser humano normal faz, e depois ficamos refletindo sobre alguns hábitos que as pessoas têm. Coisa de quem já está cansado, após um dia como todos os outros.
Foi surgindo em mim, então, uma vontade de fazer algo quando saísse de lá. O que, nem mesmo eu sabia. Ir ao cinema ou alugar um filme. Nada com ela, não, caso alguém esteja com a mente poluída. Eu queria fazer algo diferente, que não fazia já havia tempo. Mas o que seria? Eu já estava cansado, não iria à um show. Não tinha um jornal na mão, então anulei, sem muito pesar, a idéia de ir ao cinema. Enfim, eu desisti. Pedimos a conta, pagamos e fomos andando. Só depois fui me dar conta de que, ao invés de descer a escada, eu fui andando na direção da fila do teatro. Havia um certo movimento por lá e aquilo me atraia, enquanto eu me aproximava com um sentimento misto de curiosidade e esperança. Eu não ia ao teatro, mas me pus ao lado da fila. Sabe aquelas coisas que você faz apenas por instinto? Pois é, eu fui até a bilheteria. Era uma peça do Pedro Cardoso, Os Ignorantes.
Olhava aquelas pessoas todas que estavam em frente ao teatro e, para
ser sincero, não me lembro de ter pensado nada. Eu estava apenas olhando. Deve ter sido um daqueles momentos em que você fica à mercê do seu inconsciente. Ele fica decidindo tudo, enquanto que você observa o que acontece ao seu redor, até que alguém te cutuca.
- E aí, Guilherme, Vai ao teatro? - me perguntou Elisa, com uma cara engraçada, um tanto risonha.
- Pô, não sei - resposta típica de quem está sendo manipulado pelos próprios desejos impulsivos - acho que seria uma boa idéia...
Comprei o ingresso e me despedi dela. Finalmente me senti plenamente satisfeito com a possibilidade de fazer uso da minha vontade de encontrar algo de interessante fora da minha rotina. Entrando no teatro, um rapaz indicava onde as pessoas deveriam se sentar, independente da poltrona indicada no bilhete. O teatro estava lotado e a peça já havia se iniciado. Achei muito bom, principalmente porque o meu ingresso, por ter sido um dos últimos, indicava um assento que em nada privilegiava a visão que eu teria do palco. Pedro Cardoso estava lá, sozinho no meio do palco, ajoelhado, imitando um rapaz sem muita noção de piedade, enquanto este rezava pedindo perdão por seus pecados. Seu personagem gritava muito. Mais parecia uma versão do Caco Antibes, do extinto Sai de Baixo. Sozinho
no palco, ele falava mal de tudo, como alguém sem um pingo de humanidade, enquanto que a platéia ria como poucas vezes eu vi na vida. Provavelmente eles nunca riram tanto assim antes. Aquilo me impressionou de tamanha forma que, ao contrário dos demais, eu não
conseguia rir. Cheguei a me sentir deslocado. A cada frase dita, centenas de pessoas à minha volta, e por todos os lados, caiam na gargalhada. Qual seria o segredo deles? Eu
confesso que também achava extremamente engraçado tudo aquilo que o Pedro estava dizendo ali na frente, mas eu estava chocado mesmo era com o público. Pessoas de todas as idades e com todos os estilos possíveis. Eu não conseguia me desligar daquela situação. Ficava olhando para frente e ao mesmo tempo percebendo as reações de quem estava perto..
Se eu achava que me concentrar já estava um tanto complicado, eu estava amplamente enganado. Comecei a ficar com sono. Não pela peça, que estava ótima, mas por mim mesmo. Meus olhos começaram a pesar e, subitamente, eu perdia o equilíbrio. Minha cabeça ameaçava levar o meu corpo todo em direção ao meu ombro. Meu deus,
que agonia! Eu balançava a cabeça como aqueles bonecos de posto de gasolina e fazia força para que os meus olhos não se fechassem. Foi uma batalha. Não sei dizer ao certo se cheguei a cochilar – acho que sim -, mas sei que foi complicado. Como eu estava freqüentemente lutando contra Morpheus, a peça parecia que não tinha fim. Devo ter apagado umas 18 vezes, ou mais. Ficava mais fácil quando o Pedro gritava, interpretando a cada momento um neurótico diferente. E foram vários, todos ignorantes.