Friday, December 03, 2004

Os Ignorantes - texto revisado

12/08/2004, 23:37h
Acabei de chegar em casa. Uma calma... A casa vazia, sem ninguém
vendo TV na sala. Estão todos de viagem, menos eu. Todos, no caso, os que moram comigo. Não sei por que, mas eu gosto disso. Não que eu não goste da presença deles, muito pelo contrário. Mas gosto de ter esse espaço, essa privacidade. Ficar sozinho por uns tempos, sem ter que dar satisfação pra ninguém, sem ter hora pra almoçar. Andando de um lado para o outro, pensativo. Apenas eu, aqui com as minhas idéias. Uma viagem só, e sem ninguém pra me interromper gritando o meu nome.
Eu estava lá no Shopping da Gávea, batendo um papo com a minha amiga Elisa. Elisa e eu estávamos sentados em uma mesa no segundo andar. Tomávamos um café, enquanto conversávamos sobre diversos assuntos. Começamos discutindo sobre a reunião que tivemos minutos antes, na Puc, sobre o evento que produzimos no primeiro semestre. Após a reunião, Rodrigo, namorado da Elisa e grande amigo meu, tomara um ônibus e Elisa me convidara para um café. Conversamos coisas banais, como qualquer ser humano normal faz, e depois ficamos refletindo sobre alguns hábitos que as pessoas têm. Coisa de quem já está cansado, após um dia como todos os outros.
Foi surgindo em mim, então, uma vontade de fazer algo quando saísse de lá. O que, nem mesmo eu sabia. Ir ao cinema ou alugar um filme. Nada com ela, não, caso alguém esteja com a mente poluída. Eu queria fazer algo diferente, que não fazia já havia tempo. Mas o que seria? Eu já estava cansado, não iria à um show. Não tinha um jornal na mão, então anulei, sem muito pesar, a idéia de ir ao cinema. Enfim, eu desisti. Pedimos a conta, pagamos e fomos andando. Só depois fui me dar conta de que, ao invés de descer a escada, eu fui andando na direção da fila do teatro. Havia um certo movimento por lá e aquilo me atraia, enquanto eu me aproximava com um sentimento misto de curiosidade e esperança. Eu não ia ao teatro, mas me pus ao lado da fila. Sabe aquelas coisas que você faz apenas por instinto? Pois é, eu fui até a bilheteria. Era uma peça do Pedro Cardoso, Os Ignorantes.
Olhava aquelas pessoas todas que estavam em frente ao teatro e, para
ser sincero, não me lembro de ter pensado nada. Eu estava apenas olhando. Deve ter sido um daqueles momentos em que você fica à mercê do seu inconsciente. Ele fica decidindo tudo, enquanto que você observa o que acontece ao seu redor, até que alguém te cutuca.
- E aí, Guilherme, Vai ao teatro? - me perguntou Elisa, com uma cara engraçada, um tanto risonha.
- Pô, não sei - resposta típica de quem está sendo manipulado pelos próprios desejos impulsivos - acho que seria uma boa idéia...
Comprei o ingresso e me despedi dela. Finalmente me senti plenamente satisfeito com a possibilidade de fazer uso da minha vontade de encontrar algo de interessante fora da minha rotina. Entrando no teatro, um rapaz indicava onde as pessoas deveriam se sentar, independente da poltrona indicada no bilhete. O teatro estava lotado e a peça já havia se iniciado. Achei muito bom, principalmente porque o meu ingresso, por ter sido um dos últimos, indicava um assento que em nada privilegiava a visão que eu teria do palco. Pedro Cardoso estava lá, sozinho no meio do palco, ajoelhado, imitando um rapaz sem muita noção de piedade, enquanto este rezava pedindo perdão por seus pecados. Seu personagem gritava muito. Mais parecia uma versão do Caco Antibes, do extinto Sai de Baixo. Sozinho
no palco, ele falava mal de tudo, como alguém sem um pingo de humanidade, enquanto que a platéia ria como poucas vezes eu vi na vida. Provavelmente eles nunca riram tanto assim antes. Aquilo me impressionou de tamanha forma que, ao contrário dos demais, eu não
conseguia rir. Cheguei a me sentir deslocado. A cada frase dita, centenas de pessoas à minha volta, e por todos os lados, caiam na gargalhada. Qual seria o segredo deles? Eu
confesso que também achava extremamente engraçado tudo aquilo que o Pedro estava dizendo ali na frente, mas eu estava chocado mesmo era com o público. Pessoas de todas as idades e com todos os estilos possíveis. Eu não conseguia me desligar daquela situação. Ficava olhando para frente e ao mesmo tempo percebendo as reações de quem estava perto..
Se eu achava que me concentrar já estava um tanto complicado, eu estava amplamente enganado. Comecei a ficar com sono. Não pela peça, que estava ótima, mas por mim mesmo. Meus olhos começaram a pesar e, subitamente, eu perdia o equilíbrio. Minha cabeça ameaçava levar o meu corpo todo em direção ao meu ombro. Meu deus,
que agonia! Eu balançava a cabeça como aqueles bonecos de posto de gasolina e fazia força para que os meus olhos não se fechassem. Foi uma batalha. Não sei dizer ao certo se cheguei a cochilar – acho que sim -, mas sei que foi complicado. Como eu estava freqüentemente lutando contra Morpheus, a peça parecia que não tinha fim. Devo ter apagado umas 18 vezes, ou mais. Ficava mais fácil quando o Pedro gritava, interpretando a cada momento um neurótico diferente. E foram vários, todos ignorantes.

2 comments:

Guilherme Martins da Costa said...

Eu só terminei o texto com "todos ignorantes" porque é o nome da peça, mesmo.
Grande beijo!

Anonymous said...

Por que nao:)