Sunday, April 30, 2006

Na distância, o olhar

Seus cabelos me mostram o quanto ela está livre e eu estou preso. Livres como o vento os quer e distantes de mim, que fico aqui neste calabouço enquanto vejo pela janela os passos dela durante todo o dia. Não posso tocá-la. Por mais que estique os braços, uma barreira invisível nos separa. Esta parede que apenas eu enxergo e que me faz perder o prazer de viver. Distante, eu tento me contentar com o doce sabor de vê-la passar e só. Cada passo é admirado individualmente. Cada gesto, cada pensamento. Não sei o que ela está pensando, mas crio no meu próprio mundo toda a realidade da qual participo agora, e nela eu sei o que ela pensa – acho que já estou começando a entendê-la.
Aqui dentro chove, neva, alaga e o sol é de rachar. Como não tenho protetor, já percebo que estou criando uma nova pele, de tanta dor sofrida. Dos seus lábios sai apenas música, assim como do seu perfume, que não sinto mas consigo idealizar, assim como todo o resto. Uma sonata, triste, de um instrumento que atua em movimentos solo, melancólicos e intensos. Quisera eu que ela pudesse me ouvir tocar uma canção. Uma canção diferente de tudo, onde nós seriamos um e não houvesse mais escuridão. Seria bonito, mas mais uma vez eu me encontro aqui sonhando. Sonho acordado para depois fugir com ela em sonho. Mas não um sonho azul, eu quero um sonho vermelho. Um sonho em que o meu sangue corra com tamanha força que me rasgue o corpo, mas antes me dê forças para destruir estas paredes e me livrar destas palavras imbecis e sinceras, que não trarão o meu amor.

Friday, April 21, 2006

O pote de ouro

E lá estava ele, na linha de chegada. Em seu olhar, o estranhamento. A sensação de que talvez nada tenha realmente acontecido, nada tenha mudado. O troféu que buscou por tanto tempo agora já não parece mais atraente como nas fotos presentes em seus sonhos. Mas qual o motivo disso? Ele ainda não sabe. Não sabe ao certo porque não está pulando de felicidade, não se compreende plenamente satisfeito. E os fogos de artifício, onde estão todos eles? Estariam eles escondidos, esperando que alguém os descubra e finalmente possa descansar em paz, sem maiores dúvidas ou preocupações?
Nada como era previsto. E agora, o que fazer?
Entra em um café e chama pela garçonete. Você tem um isqueiro? Obrigado. Um café com creme, por favor. A fumaça que sopra parece levá-lo para bem longe, onde ele contempla quase que aleatoriamente os últimos dias.
Chega o café. Açúcar ou adoçante? Açúcar, por favor.

Saturday, April 15, 2006

Encurralado - exercícios para a loucura

Tensão. Não sei se dessa vez poderei fazer algo a respeito da situação na qual eu me encontro. Sei que posso influenciar no que está para acontecer, mas ainda assim me parece que é muito pouco. Entro em desespero. O pânico chega e toma conta da sala. Correndo, eu busco uma saída, tentando pensar em tudo.
Parado na minha frente, então, ele me olha. Seus olhos brilhantes cor de rubi me observam, como se eu fosse apenas mais um experimento e nada do que eu pudesse fazer iria me ajudar a resolver este enigma. “Não existe solução para o que você quer”, diz a sua voz rouca e bem projetada, onipresente em cada canto do recinto. Frente a frente com o meu medo, a respiração dele tranqüila fazendo um contraponto com a minha, o extremo oposto, mostra o quanto eu pareço estar perdendo o controle da situação. E o sorriso estampado na face do meu inimigo me acerta como mais um tapa, embaçando a minha vista. Sem enxergar nada, um belo “Porra!” é a coisa mais bonita que você pode tirar de mim.
Aproveitando do meu vasto leque de opções satisfatórias, sento e cruzo as pernas. Correr de um lado para o outro em nada vai me ajudar. E ele continua ali, rindo da minha cara, enquanto come sua maçã dourada. Bem que ele poderia se engasgar com ela. Hum... isso me parece muito bom...