Saturday, January 29, 2005

Sem voz - lembranças e sonhos -

De uma hora pra outra sua vida mudou. Mudou só na cabeça dele, mas mudou. Sua percepção da realidade não é mais a mesma, uma vez que ele agora se encontra enclausurado entre barras de ferro com suas divagações. Umas possíveis e outras absurdas.
Ela abre a porta, nem olha pra ele e vai em direção à geladeira. Será que ela não o vê? Ele fica apreensivo, inquieto. Ela abre uma garrafa e enche o copo. Enquanto ela mata sua sede, ele suplica por um gole. Ao menos um. Mas não se escuta sua voz. Uma voz rouca que não sai, ficando presa dentro da garganta.
Por um momento ela para. Parece que algo chamou sua atenção. Ela olha para os lados, como quem procura. E ele acenando – pobre coitado – desejando ser solto de sua prisão. Ela passa perto, mas não para. Fica atrás dele, olhando para a parede. Uma parede com fotos, lembranças de um futuro que parece ter sido feito ontem. Ela enxuga algumas lágrimas e volta, com passos rápidos, à mesma porta pela qual entrou. E ele grita de se rasgar por seu nome, por uma chance. Uma palavra. Sua voz se desfaz no ar com a mesma velocidade que sua retina troca a imagem de sua amada a cada passo por ela dado.
Ele desiste, por hora, e senta desolado. No chão da jaula, mesmo. Não tem pra onde ir. Não tem pra quem gritar. Ela sai da cozinha e vai em direção ao quarto. Ele fecha os olhos e imagina o que ela estará a fazer.

Thursday, January 27, 2005

Abujamra san

André Abujamra – vocalista da extinta banda Karnak e atualmente iniciando sua carreira solo com um show bastante inventivo, misturando inspirações orientais, samplers e solos de guitarra, coisa cada vez mais rara na cena rock - relatou em seu mais recente show (26/01/2005), que teve participação de Lenine e Paulinho Moska, um episódio com seu filho de 10 anos.

Estavam em frente ao mar, quando o moleque disse:
- Pai, a onda do mar é como o homem.
André, assustado, tentava entender aquela aparente estranheza:
- Como é?!
E seu filho lhe explica:
- É pai, a onda do mar é que nem o homem. Nasce, cresce, morre e se transforma em lágrima.
Abujamra só teve uma reação, bastante perplexo com aquilo:
- Porra!
Repetindo, seu filho só tem 10 anos de idade.

Abujamra também é responsável, entre outras coisas, pela autoria da letra e da música em “O mundo”, faixa gravada por Paulinho Moska no CD Móbile – recentemente regravada por Pedro Luís e a Parede & Ney Matogrosso para o CD Vagabundo, tendo até mesmo um clipe na programação da MTV.
A maravilhosa trilha sonora do filme “Carandiru” também foi obra de Abujamra.

Copiando a cópia

Sou um homem invisível
Daqueles que copiam
Duplicado como o do Saramago
Sou invisível
Sem forma
Não sou nada
Não sou ninguém

Branco e negro
De olhos puxados
Bom e ruim – tem essa agora?

Uso o que me passam
Como todos – sentido ambíguo, também me alimento deles

Uso a roda, o ferro e o aço
Bebo Coca-cola – ok?
Não os fiz, mas uso tudo isso e muito
mais
mas
espere...

Preciso ser original
Criar algo do nada
Como?
Vou estudar os antigos e
- ignorando todos, claro –
Serei inovador
E minha arte não terá passado

Afinal,
sou invisível

(todas as palavras aqui presentes foram copiadas do Dicionário – um dos maiores
“best-sellers” - e de minhas experiências com seres humanos, todos reais)

Ele, o personagem – essa palavra quem inventou fui eu -, sorri e entende que realizou seu desejo. E, em to de satisfação, desanda a gargalhar – copiando outros personagens, estes malignos, de diversas histórias infantis.
“Hahaha.. hahaha.. HAHAHA!!!”

Wednesday, January 26, 2005

Posso até poder

Posso pensar nela, sem ela saber.
Posso desejá-la, sem ela querer.
Posso imaginar um futuro, sem este acontecer.
Posso me deitar e lembrar do seu rosto, no entardecer.
Posso pegar o telefone, sem seu número saber.
Posso me enganar, mesmo sem perceber.
Posso alimentar um câncer, mesmo que o amor venha me comer.
Posso não comer e, com uma pedra, me resolver.
Posso sonhar com ela, e ela então viverno meu sonho, sem parte dele ser.

Seu perfume eu não conheço, mas quero prever.
Sua expressão eu não vejo, mas na mas em meus olhos consigo ter.
Dentro dos limites – da imaginação – eu posso tudo
e por isso vou poder...

Posso até poder que desta vez
não se tornará a vez anterior

Monday, January 24, 2005

Olegário e o mamão papaya

Praia, sol, mulheres e cerveja. E mais mulheres. “Tudo de bom”, admirava Olegário. Depois de mais um ano inteiro de sopapos e tropeços, trabalhando noite e dia, e com um salário indigno de qualquer imbecil que seja, ele está de férias. E na praia, onde ele pode ir sempre e, teoricamente, ficar o quanto quiser. “Ahh...”, se prepara ele com uma grande espreguiçada, ao descer as escadas da calçada em busca de um lugar bastante “florido” em meio àquela areia toda.
O sol está ótimo, o mar não está nem pacato e nem de ressaca. Passam moças de todos os tipos e nacionalidades – o cenário é Copacabana, ok? Loiras, morenas, ruivas – opa! – saradas, magrinhas “fashion week”, popozudas.. tem pra todos os gostos.
- Uma cerveja! – pede ele ao homem que passa com o isopor. (Na verdade eu, o autor, tenho pena desses caras que ficam o dia inteiro torrando num sol de 41 graus. Como eles agüentam?)
Abre a latinha e vira metade de um gole só – bem, na verdade de um gole só é impossível, mas ele virou de uma vez e sem interrupções; de um gole só seria algo mais, digamos, “poético”.
Súbito, uma morena – nítidamente uma freqüentadora assídua de academias de musculação – surge com o seguinte pedido:
- Olá, você pode passar o protetor nas minhas costas?
Olegário mal podia acreditar. Esfregou as mãos nos olhos para ter certeza – era tudo que ele queria:
- Claro, que sim! Com todo prazer!
E lá vai o nosso rapaz se deleitando ao massagear, assim como quem não quer nada, as costas da beldade, com suas mãos exageradamente lambuzadas – as do Olegário, não as da moça - de protetor número 15.
- Hu-hu-hu...
“Quem som é esse?”, indaga Olegário. Ele olha para os lados e não vê nada que pareça ter sido responsável por tal ruído. “Estranho, mas deixa pra lá”, se satisfaz. Passar o protetor nessa morena está sendo bom demais para querer desviar os seus pensamentos.
- Hu-hu-hu... (galera, isso aqui se lê “rrú”, ou “who”)
Ele olha novamente para os lados, mas não encontra nada além das mulheres e da praia maravilhosa – ok, também tem umas crianças correndo e os marombeiros de sempre.
-Hu-hu-hu... – agora com mais força, as vozes parecem ser muitos.
Olegário começa a dar nos nervos. “Que porra é essa?!”, se desespera.
- Ei! Você colocou protetor dentro do meu ouvido – reclama a morena, agora indignada com ele, desmanchando toda a fantasia que a situação tinha momentos antes.
- HU-HU-HU...
Virando a cabeça como quem sabe que está prestes a encarar algo muito desagradável – ao poucos e com uma cara de “ah, não!” – ele se depara com o improvável.
Uma manada de mamões papaya correm na praia, com roupas ao estilo de uma das tribos canibais do filme do Indiana Jones, fazendo um enorme arrastão.
- HU-HU-HU!!!
Mulheres gritam, crianças começam a chorar e a baderna se generaliza. Ninguém sabe ao certo que fazer e muito menos como isso foi acontecer, mas o primeiro instinto coletivo vou o de fugir.
Os mamões vinham correndo munidos de cocares, lanças e escudos. Eles gritavam seu tema de guerra, munidos de lanças e escudos. Em geral, pareciam medir cerca de 1 metro e meio, e gritavam como primitivos alucinados.
Enquanto os monstrinhos corriam e todos os outros tentavam se salvar, uma parede de mamões brandindo os dentes vêm da calçada, em direção à areia.
- Meus Deus, esse troços estão nos cercando! – grita uma mulher enquanto corre, grita e chora.
Enxergando o que se mostra como sendo sua única saída, Olegário ignora todos e corre rumo ao mar. “Vou ter que nadar muito”, percebe ele puto da vida. E ele nada. Nada, nada e.. “nada” – quero dizer, não consegue sair de perto da areia. E os mamões gritantes e animalescos, com seus dentes afiados, tentam cerca-lo. Numa situação dessas, é normal de se imaginar que não terá muita saída. Então, ele mergulha fundo e tenta nada por baixo d´água para bem longe. Seu ar acaba e ele não pode subir, porque os mamões estão por toda parte, prontos para captura-lo e fazer sabe-se lá o que com ele.
Olegário, desesperado, luta contra sua falta de ar. Faz tudo que pode para retornar à superfície da água, mas... Tudo escurece. “Quem isso, um eclipse logo agora?! Ou será que eu vou desmaiar?” Ele tenta continuar nadando quando, de repente, cai no chão. “Que chão é esse?!” Bate com a cabeça, em algo que, pelo som reproduzido, parece ser feito de madeira. “Ah, não é possível...” Acreditando que está em seu quarto, e que tudo não passou de um sonho – engraçado pra nós, mas pra ele foi um pesadelo – ele vai em direção ao interruptor, disposto a acender a luz. Mas a luz não funciona. “Estranho, ontem mesmo a ministra disse que não iria mais faltar luz na cidade...” E logo uma trovoada faz um som estrondoso - Tbám! (coloquei maiúsculo porque foi uma senhora trovoada)
“Merda, deixei as janelas abertas. Vai molhar tudo!”, e corre para fecha-las. Mas susto mesmo foi o que Olegário sentiu agora, lhe dando calafrios rodopiantes, que saiam do centro de sua coluna e se espalhavam por todo o corpo. Um indivíduo não-indentificável encontrava-se prostrado bem à sua esquerda, assim que ele chegara na varanda.
- Quem é você?! – grita nosso colega.
- Não está se lembrando de mim, Olé? Aliás, que nome é esse que sua mãe te deu, viu...
- Eu não sei quem é você e quero que você sai imediatamente daqui! Não devo nada pra ninguém!
- Ah, haha! Você é quem pensa, seu ingênuo subalterno.. você nos deve muito...
Sem entender nada do que se passava, Olegário – coitado – corre desesperadamente em direção à porta de entrada – que nesse caso serve de saída.
- Volte aqui seu verme, temos contas a acertar!
Olegário, tremendo como um filhote de cabrito no Antártida, procura desesperadamente pelas chaves, que não estão na porta. Seu opositor caminha em sua direção a passas lentos e tranqüilos. Percebendo o reflexo que algo fazia em sua mesa de cabeceira, nosso herói – tss! – salta como um agente secreto e, fazendo uma acrobacia inédita em sua vida, pega as chaves e volta para a porta – não vou ficar dizendo “de saída”, “de entrada”.. é a mesma porta.
Agora, com as chaves na mão, ele tenta descobrir qual delas é a que ele precisa. Pela primeira vez ele dá valor aos conselhos de sua irmã, que achava um absurdo alguém carregar tantas chaves como ele. “Não sei pra que tanta frescura se você mora em um apartamento e tem porteiro no seu prédio”, costumava dizer Cristina. No caso, Cristina deu mais sorte, ficando com um nome de sonoridade agradável. Ela é dois anos mais nova, deu tempo para dona Maria aprender a lição.
- Nem mais um passo à frente! – diz seu ilustre invasor, destruindo uma ilusão de segurança que Olegário cultivara enquanto se lembrava de sua mãe.
“Ah, consegui!”, pensa esperançoso nosso amigo ofegante. E, ele abre a porta. Bom, é aqui que chegamos no momento em que tudo pode acontecer – o leitor talvez retruque “só aqui, né!”. Ele pode sair em busca de um lugar para se esconder mas... Ao abrir a porta, que acredita ser o seu passaporte para se ver livre de toda uma situação absurda, acontece o inesperado. Outro indivíduo – acho que vou passar a adotar a sigla INI, “Indivíduo Não-Identificado” – está do lado de fora. E com um sorriso enorme, de uma orelha à outra.
Não acreditando – mais uma vez – que tal situação pudesse piorar, Olegário se surpreende novamente; desta vez bem mais que das outras. Tbam! O rápido feixe de luz provocado por um trovão – marido da trovoada anterior – mostra o que mais poderia chocá-lo. Seus inimigos estavam vestindo ternos pretos e óculos escuros à noite – meio batido, mas até aí tudo bem, aceitável. Mas o inacreditável – prepare-se, caro leitor – é que eles são.. mamões papaya!
- Não acredito, isso não pode ser possível! – grita sem querer acreditar no que vê.
- Pode acreditar, pois nós iremos levar você conosco! – disse o mamão de terno à sua frente.
Olegário cai de joelhos nos chão e tudo começa a rodar. As risadas cinematográficas de vilões estilo Walt Disney soam aparentemente ao infinito, enquanto tomba com a cabeça e finalmente perde a consciência.
Ainda não estou muito certo se o conto vai terminar aqui...

Sunday, January 23, 2005

Frases, pensamentos... I

“Se neste universo meus sonhos não puderem se tornar concretos como o chão em que piso, então, o jeito vai ser fazer uns pequenos ajustes nele.”
- eu (Guilherme Teixeira Martins da Costa)

Wednesday, January 19, 2005

Sinfonia dos Sentidos em Si maior

Ao pensar sobre os próximos caminhos a seguir, ele para e se indaga. Seria muito cômodo receber o que sua vida lhe mostra como caminho óbvio – ao menos para os pobres de sentido – e ao mesmo tempo sofrível. Abandonar o que mais faz seus olhos se encherem de brilho e sua vida de conteúdo se mostra impossível. A música o escolheu, disso ele não pode fugir. Ela já se mostra como sendo aquele amor que tanto se busca durante a vida, mas nem sempre se encontra. Muitos costumam dizer que a resposta pode estar mais perto do que imaginamos. Embaixo do seu próprio nariz. Ele sabe – tanto quanto eu e você -, mas a escolha não é tão simples assim. Cada vez que você decide seguir um caminho, toda a sua vida se transforma, tendo essa transformação uma importância diretamente proporcional à significância da sua nova decisão. É como se o tudo fosse um jogo de dominó – bem, na verdade não o jogo, mas um punhado de peças todas ligadas uma à outra, todas de pé. Como na frase, título de um livro cujo autor não me lembro o nome, “nenhuma ilha é uma ilha”.
Visualizando seu futuro – todas as variações possíveis e inimagináveis que sua mente fértil é capaz de gerar – sente-se mais confortável com a que segue pelo coração. Dinheiro não lhe parece ter muito valor, em um primeiro momento. Mas sabe que ele, quando bem usado, adquire a forma de super-poderes. Muita coisa boa pode ser feita com o seu auxílio. E essas coisas podem influenciar a vida de muita gente.
A música.. ah, com é perfeita uma melodia bem trabalhada, bem cuidada e executada. Enche de magia uma vida que, sem ela, poderia continuar no vazio de não se saber para que se veio ao mundo. A música tem a capacidade de alimentar, de fortalecer, de animar, alegrar. Ela também, entre muitas outras qualidades, pode confortar um espírito carente ou desacreditado, consolando-o. Ela serve de companheira, amiga. Na verdade ela se encaixa maravilhosamente bem como a amante perfeita, num romance infinito e sem fronteiras, se alterando e tomando formas até então desconhecidas e desafiando os limites. Tudo aquilo que procuramos em contos fantásticos e, quando depois de crescidos, deixamos de acreditar que exista.
Ele larga sua pena e enrola o pergaminho. Já deve ser tarde, reflete. Esquenta a cera vermelha no calor da vela e com ela sela sua carta, onde abriu seu coração para sua mais querida companheira. Veste as botas e busca o paletó preso na parede. Põe o pergaminho dentro do bolso e bate a porta, indo de encontro com sua amada.

Nosso querido $, quero dizer, cliente

Ligo para o serviço de atendimento ao consumidor do Velox – que pertence a Telemar – e espero um tempo, enquanto toca uma música idiota para me “acalmar”. Uma voz diz para teclar 2, eu teclo. Outra diz para teclar 3, eu teclo. Outra vez a música idiota me conforta – antes a morte.
- Meu nome é Carla, com quem eu falo?
Eu digo o meu nome.
- Pois não, em que posso ajudar? – diz uma moça, como se tivesse a intenção de fazê-lo.
- Quero cancelar o Velox – digo eu, tentando chegar a algum lugar.
- Um momento.. – e entra a merda daquela música.
Surge um som de teclado, feito pela atendente ao mexer inutilmente no computador que está em sua frente.
- Flávia, com quem eu falo?
- Eu já disse pra outra moça – completamente sem paciência.
- O senhor poderia repetir por favor?
Eu digo o meu nome novamente.
Depois de uma hora e vinte minutos, os quais nem quero pensar em detalhar, a Telemar me diz que – além de ter problemas com os meus dados, que eles afirmam estar incorretos – não foi possível efetuar o meu pedido de cancelamento. Palmas para o progresso do homem ocidental.
Este texto poderia ter saído muito melhor, sem exageros. Mas a minha calma foi consumida, dragada de tal forma que não conseguiria relembrar cada momento sem querer culpar alguém pelo tempo que eu perdi. E ainda dizem que querem satisfazer o consumidor...

Tuesday, January 11, 2005

Um Pouco Mais de Humor

Mudando de humor quase que repentinamente eu começo a me sentir melhor, mais leve. Após uma entrevista com Jim Carrey no programa do David Letterman, estou convicto que não adianta olhar para os defeitos que podemos encontrar no que nos cerca. O bom humor, e a boa vontade também, parecem se mostrar como as chaves daquela arca perdida que todos sonhamos em um dia encontrar. Não existe perfeição e muito menos felicidade. O que existem são os momentos, bons e ruins, que, se soubermos investir de forma coerente, são capazes de nos trazer um saldo bastante positivo.
“Ah, pare com isso, quer dizer que agora você vai aceitar tudo que te acontece e ainda assim continuar sorrindo?” Hehe, não se trata disso. O assunto aqui é o bom humor. O que ele é e o que ele pode nos trazer. Desde a energia para tocarmos para frente nossos planos à consciência de que é muito bom estarmos aqui – fazendo boas piadas de nós mesmos!

Wednesday, January 05, 2005

Essa Inércia

Maldito bom humor que se mantém afastado, ao longe como quem diz “fui”. Olho para as coisas e não vejo nada, ao menos com profundidade. Me parece que nada passa de percepções fictícias se esforçando em me manter entretido, ocupado. “Não deixe que ele perceba que é tudo sem razão!” Gostaria de poder dizer que escuto vozes me dizendo pensamentos interessantes, a favor ou contra o rumo natural desta vida, mas não ouço nenhuma, seria uma mentira da minha parte. Aqui a realidade é crua, sem maquiagem, sem efeitos. Nada de explosões ou cremes rejuvenescedores. A parede é apenas um obstáculo sem graça, que se opõe ao nada, sendo capaz de ferir por meio de uma contusão. Obstáculos... Muitos dos problemas – os obstáculos – são merdas que flutuam neste vácuo insignificante, tentando encontrar o sentido para a sua própria existência – elas também!
Sei que pode ser ridículo – eu ao menos considero – mas é uma reação instintiva perder as esperanças diante de barreiras que nos dizem “você não conseguirá me transpor”. Isso contribui em peso no aumento do número de pessoas que desistem da vida e continuam apenas sobrevivendo. Não me agrada em nada a idéia, mas desistir é algo que se mostra muito pior. Isso é o que faz tempo ficar sempre parado. Envelhecemos e praticamente não saímos do lugar. É uma inércia que tenta se desmentir mostrando aquisições matérias como provas da nossa enganação, em detrimento das conquistas mais almejadas – estas não estando em vitrines ou em manuais, à venda por 9,99. A inércia é como aquele mosquito de verão, que vem e te ataca quando você está desprevenido e, por mais que tente acerta-lo, ele só vai embora quando se considera satisfeito – após ter sugado bastante de você.
Alguns momentos ainda estão para me mostrar qual a sua validade ou utilidade. Como por exemplo, esses momentos de pura desilusão – que eu já sei que vão passar. E quanto aos mosquitos.. bom, esses eu deixo para o meu chinelo – “morre desgraçado!”

Sunday, January 02, 2005

Poder - da natureza e do dinheiro

Um estouro. Parece que a coisa ta feia na Rocinha – perto daqui. Isso perturba, mas não como o caminhão que passa avoado pela rua e faz o chão tremer. O tiro – um covarde, sempre trazendo outros junto com ele – atravessa o nosso escudo de indiferença e implanta um chip em nossa cabeça, nos tornando ao mesmo tempo neuróticos e insensíveis. Uma insensibilidade capaz de nos habituar às desgraças cotidianas.
Venta aqui. Essa brisa gostosa que me tranqüiliza e disputa um espaço com o calor do verão alucina a minha razão, enquanto me recordo de outra tragédia. Já são 140 mil mortos na Ásia. Onde é que se encaixa uma enorme Tsunami – que mais parece um poderoso demônio japonês – atacando o litoral de diversos países – é a globalização, modernizando a natureza -, ainda por cima pobres, em um belo dia de sol com as praias cheias, e as lojas repletas de turistas mimados, que não sabem mais com o que gastar o seu dinheiro? È como naqueles filmes idiotas onde se percebe o medo “americano” – desistamos, eles são os donos deste grandioso continente, nos somos apenas brasileiros, filhos de continente nenhum – com relação ao equilíbrio natural dos fenômenos irrefreáveis de Gaia. Aliás, esses filmes são também uma nítida analogia ao medo que os “americanos” têm de certos povos, dos diferentes, do desconhecido em geral.
Um ponto de vista interessante, embora nada agradável, é que essas desgraças aumentam a alegria de certos poderes. Para algumas forças políticas essas mortes ajudam a manter a estabilidade dos mais ricos. Assim como enviar os rapazes que não entraram para nenhuma universidade para uma “missão de paz” no Oriente Médio. Esse pessoal só traz despesa, atrapalha a vida do cara que precisa abarrotar seus orifícios com muito dinheiro. Nada de ajudar os pobres, democracia ou Tratados de Kyoto. O importante é morrer enterrado embaixo de moedas de ouro, bem ao estilo Tio Patinhas.
O que você faz para resolver os problemas de um mundo onde, para que todos pudessem viver ao nível da classe média, seria necessário o equivalente a cinco vezes o total da produção global de alimentos? Bom, se você faz parte do poder, exorta os inúteis e torce por outra catástrofe – no fim das contas sai mais barato.