Friday, September 30, 2005

A caverna de cada um; ou, Neandertais de terno

Após lermos A Alegoria da Caverna, texto de Platão presente na obra A República, muitas idéias podem surgir formando um pensamento contemplativo bastante abrangente, onde diversos temas se vinculam de forma natural. A idéia seria pensarmos se nós, nos dias atuais, poderíamos aplicar o conceito da Caverna de Platão em nossas vidas. Eu poderia afirmar, com bastante convicção aliás, que sim. E o papo aqui é sério, porque não atinge apenas alguns cidadãos incapazes ou ignorantes, mas acredito que a maior parte da população existente no planeta. Um percentual aproximado seria impossível aqui, o que demandaria uma análise de outro tipo, esta levando bastante tempo e escoando parte da energia que disponho para terminar este texto que acabei de começar a escrever.
Costumamos acreditar que nossas vidas são controladas por nós mesmos, que conhecemos as coisas e que somos muito espertos. Mas o que se deixa passar é que estamos cercados por - ou, quem sabe, afundados em - vícios, hábitos, tradições culturais, medos e – vem agora a inércia da humanidade – preguiça. “Eu estou antenado com as notícias do mundo”, poderia dizer uma pessoa aparentemente bem informada. Bem, isso é o que ela acha. Não há como saber ao certo como anda o nosso planeta - ao menos assim tão facilmente como pode parecer. Para começar, nossas crenças são controladas, tanto pelas linhas editoriais de jornais e revistas, como pelos programas de TV. A esses podemos incluir as campanhas publicitárias – na verdade uma loja de fantasias, um verdadeiro baile de máscaras -, as instituições religiosas – sim, todas; não estou criticando a fé religiosa, mas sim as instituições -, nosso ambiente social e nossas famílias – ok, eu sei que as mães se esforçam para fazer o melhor.
Cada um de nós formou uma opinião sobre inúmeros assuntos desde o nascimento. Este conhecimento se baseia em nossas experiências individuais e pessoais, como também nas opiniões já existentes no enorme mundo complexo que nos rodeia e no qual estamos inseridos, independente de querermos isso ou não. As opiniões que formamos tendo como base idéias difundidas por outras pessoas, são conceitos que podem ser colocados a teste caso venhamos a passar por experiências que tenham condições de comprovar sua validade ou não. Se uma dessas opiniões nunca for testada, é possível que se viva uma vida inteira sem saber que acreditava-se em algo ilusório e irreal, mas com cara de verdade. E é aí que mora o perigo. Não sendo possível ter todas as experiências ao mesmo tempo, acreditamos naquela que nos for apresentada com argumentos mais bem estruturados. Seria como dizer que uma mentira bem contada pudesse se tornar verdade. Um bom exemplo disso seria a eficácia dos discursos de Hitler para o povo alemão. Ele, o povo, em grande parte estava certo de que seguia o caminho mais correto possível e que seu líder era um homem sábio – que era esperto ele era, sim; além de muito psicótico: um pintor frustrado que encontrou na destruição uma forma de ascender e entrar para a história, enquanto descontava toda a sua raiva em gente inocente.
Observando as crenças das diferentes populações – sejam de diferentes países ou até mesmo de diferentes grupos sociais, diferentes bairros – podemos perceber que cada um desses grupos tem crenças próprias limitadas ao que eles são capazes de enxergar. Se você pegar um aluno de engenharia química que costuma passar seu tempo livre jogando futebol na praia e coloca-lo em uma festa dos alunos de um curso de cinema, onde estes discutem filmes de Eisenstein ou Kubrick, mesmo que ambos estudem na mesma universidade, o choque será grande. É como se existissem infinitos universos paralelos. Agora, se você tomar o cuidado de levar em conta o fato de que cada ser humano é diferente, tendo como base os conceitos do parágrafo anterior, podemos imaginar a civilização toda como sendo composta por seres que andam carregando suas próprias cavernas, de um lado para o outro. Seres que vivem, de certa forma, alienados para quem está de fora, mas antenados com o seu mundo interior. Isto também serve para explicar porque as pessoas acham tão complicado entender umas às outras, tanto em relacionamentos amorosos como em relações de trabalho e amizade. Nossa imaginação é capaz de nos levar até um determinado ponto, mas, mesmo que ela seja muito criativa, jamais será capaz de prever com muita clareza as reações dos outros indivíduos. É daí que vêm os famosos mal-entendidos, responsáveis por constantes brigas e desavenças entre pessoas que acreditam se conhecer muito bem e esquecem que cada um possui suas particularidades – quando ocorre entre estranhos, então, o caso é mais sério, sendo mais rara uma reaproximação futura. Na verdade, todos querem ser entendidos, mas despendem pouco esforço para tentar entender o outro. Aquele que mora ao lado e do qual você precisará, cedo ou tarde. Sabe aquela frase que diz que ninguém é normal? Pois é, não há como alguém ser. Porque o “normal” não existe. O que é normal para você pode não ser normal para mim, e assim por diante. Normal, na verdade, é ser peculiar – os mais metidos costumam gostar mais de usar a palavra “idiossincrático”.

10 comments:

Anonymous said...

Penso que o ideal seria fazermos uma auto-análise no final de cada dia. Acho que desse jeito seria mais fácil a tal "convivência". Para mim cada dia é como uma grande sala de aula em que somos jogados pela primeira vez - sem conhecer ninguém - e temos que vencer essa barreira no tapa. Pisamos em ovos até fazermos amizade com aquele ou aquela, e aí quando conseguimos descansamos, pois achamos que somos normais, já conhecemos alguém ou fomos aceitos... doce engano.
Nascemos em famílias diferentes, com hábitos diferentes, mas mesmo assim somos obrigados a nos entender bem. Muitas vezes "engolimos sapos" só para fazer de conta que está tudo normal. Se ficamos tristes somos taxados de deprimidos; se ficamos alegres somos taxados de bobos. Bem vindo ao Planeta Terra.

Beijos, Catarina

Guilherme Martins da Costa said...

Bato palmas para a maneira como finalizou o comentário. Chave de ouro.

Mauro said...

Concordo plenamente, ou talvez não pq vc pode ter deixado implicito algo do que eu discordaria e não captei :cP. Mas isso tudo é comprovado repetidamente e poucos se dão conta.

Anonymous said...

Realmente eu tava sem saco de ler, mas quando comecei, a leitura flui de tal maneira que nem percebi direito quando tava chegando no final.

Deixa eu ser direto aqui: adorei o texto =D. Confesso que fiquei preocupado em um dado momento no início do texto que eu pensei que você não fosse voltar do parênteses(aquela parte que você fala do Hitler). Até por causa disso também, trabalhei muitas idéias na minha cabeça enquanto lia. Mas gostei da maneira como você segurou o assunto principal, especialmente no final.

Também gostaria de intruduzir(ui!) um comentário sobre as relações conturbadas que todos temos com todos. Não é de se estranhar que as pessoas com o EGO impregnado em si - a grande maioria - têm constantes atritos em relacionamentos, inclusive consigo mesmos. Para esclarecer, o EGO de que eu falo são os defeitos psicológicos; tais como a ira, o ódio, luxúria, gula, orgulho, preguiça, maledicência, inveja, mentira, auto-piedade, auto-consideração, medos, maus hábitos, fraquezas, preconceitos, entre muitas outras ramificações destes citados.

É visível que a pessoa que trabalha para minimizar esses defeitos em si, torna-se uma pessoa muito mais agradável e feliz. Agora imagine como seria se a maioria(não digo nem todos) o fizesse.

Cada defeito tem como antítese uma virtude, e é por isso que com a diminuição do EGO, não vamos nos esvaziando. Pelo contrário, ficamos mais sábios e completos.

Leonardo Costa

Anonymous said...

Não fosse o caderno do idiossincrático, determinado nécio, um tanto anódino em sua prolixidade, se ferraria nas provas acadêmicas.

Jeane

Anonymous said...

Ah, uma perguntinha...por que o título "neandertais de terno"? Pensei que poderia ter alguma relação com a ancestralidade do homo sapiens sapiens, mas aprendi que não descendemos dos neanderthais.

"Recent DNA analysis of three Neanderthal skeletons suggests that they were not our ancestors but a sidebranch of human evolution." BBC NEWS, 2 de agosto de 2001.



Jeane.

Guilherme Martins da Costa said...

Boa dica. No caso o nome Neandertais eu escolhipor ser, talvez, o mais famoso, ale´m de ser instantaneamente associado ao homem das cavernas. mesmo que eles não tenham sido "das cavernas".

Anonymous said...

Ok...entendo agora o efeito desejado no uso de "neandertais"(embora ache que a associação a que se refere, pelo simples fato de existir, já denota um erro).
Passei aqui novamente para expressar o desconforto causado por aperceber-me um tanto ferina em meu primeiro comentário. Perdão, Guilherme, mas me desagradou um pouco saber conhecer a pessoa a que qualifica como "metido", pessoa, aliás, por quem nutro imensurável afeto.

No hurt feelings, ok?

Então a gente se vê!

Jeane.

Guilherme Martins da Costa said...

Comentário válido. Mas vale afirmar que não pensei em uma pessoa específica. A palavra "idiossincrático" consta no dicionário. Não tem dono, não.

A palavra, ela sim, sempre que a ouço me provoca. Tenho uma relação peculiar com ela, então. Com a palavra.

Seu amigo é simpático, ao meu ver, e atualmente. No reason to hurt him.
Beijos.

Anonymous said...

Existe uma coisa chamada licensa poética, que creio ter sido usada aqui pelo amigo Guilherme, quando coloca o termo 'Neandertais', para que o leitor possa entender melhor a analogia - que no caso não se refere ao ancestral do homem, mas à um tipo humanóide, que no nosso inconsciente coletivo associamos à época das cavernas.

EN TARO ADUN