Tuesday, September 27, 2005

Devaneios de uma noite comum

Com a vista cansada depois de tanto trabalhar em frente ao computador, termina mais um cigarro e olha para o nada, virando a cabeça para a sua esquerda. Pinturas na parede não parecem importar muito, uma vez que ele as atravessa e encontra sua própria mente por meio das pinceladas alheias. Uma estrada e um carro assinadas por um grande artista, e ele já começa se imaginando lá, dirigindo por aqueles caminhos tão distantes da realidade em que se encontra. Seria bom. Na verdade, seria bom demais dar uma volta, um passeio e relaxar.
Levanta-se. Abre a porta da varanda e olha a chuva. O vento frio carrega a chuva fina, trazendo um cheiro de natureza para se encontra em seu percurso. Fecha os olhos e sente. Uma tranqüilidade inesperada, como todas as coisas maravilhosas que não programamos e nos acontecem sem aviso prévio, mostrando-nos o quanto nossas vidas podem ser gostosas se nós simplesmente deixarmos.
A chuva lava a alma da rua, enquanto poli o corpo do nosso personagem. Sim, porque neste instante eu o divido com vocês. Pode parecer que se trata de um monólogo, mas apenas para os mais ingênuos. Não há texto que seja lido e compreendido sem que haja uma interpretação e uma reação da parte do leitor, e isso faz com que a leitura se torne um diálogo. Agora, voltemos ao nosso amigo...
Uma lágrima que não sai se manifesta, mas por dentro faz suas batucadas. Dor e saudade. Arrependimento, infelizmente. Não fez o que poderia ter feito, mesmo sabendo que seria o melhor, e agora se sente só. Pegando o maço de cigarros com a mão esquerda, retira um deles com a outra – mão, no caso. Abre o isqueiro prateado e não o acende, o admirando com um olhar fixo. Foi um isqueiro caro, mais uma das frescuras da cultura consumista. Bonito, reluzente e inútil. Seu único objetivo é facilitar um vício idiota que não traz sua amada de volta, apenas engana uma ferida para abrir outra. Estendendo a mão, larga o isqueiro do alto do 17º andar, sem se importar com os detalhes decorrentes desse ato. Joga os cigarros no lixo e vai para a sala de estar.
Volta da sala trazendo um copo com gelo e uma garrafa de whisky. Não abria nenhuma há tempos, sendo que esta ganhara em seu último aniversário, justamente da mulher que lhe faz tanta falta hoje. “Vou encerrar isso agora.”, pensa ele, tratando a situação como uma expressão simbólica, um ritual de liberdade onde exalta o fim de uma época. E começa...
Dentro de um túnel escuro, e sem saber onde foi se meter ou como, ele escuta uma sirene, em alto em bom som. Muitos ruídos, todos eles ressoando sem parar pelas paredes torturando-o. Parece que está dentro d´água e tenta nadar, sem saber que rumo poderia tomar. As vozes perturbando sua consciência parecem cada vez mais presentes, todas elas ao longe e chamando-o para diferentes destinos. Um inferno molhado, poderia se dizer. Agora uma luz forte, como se fosse um carro andando sob a água acende o farol alto e ele não consegue enxergar nada. O veículo buzina insistentemente, como se avisasse o inevitável. E bate, de frente. Seu corpo é lançado às dezenas de metros de distância e ele não consegue perceber a dor, embora se mantenha perfeitamente consciente. Como em câmera lenta, ele gira seu corpo e sua cabeça, involuntariamente, olhando para a escuridão absoluta, que parece ter suas próprias formas e sombras; bem diferente de um vazio negro. Presta atenção na respiração. Ela se mantém. E, começa a entender que agora é a hora em que ele cai e, provavelmente, se quebra todo de encontro ao solo.
A queda. Dói um pouco, mas nem tanto. Escuta um som de vidro acertando o chão, mas sem se quebrar. Novamente muita luz e seus olhos ardem. Percebe que suas mão obedecem ao seu comando e levando-as até a vista, abre os olhos. Reconhece onde está. A sala de estar. Caído em frente ao sofá, com a garrafa de whisky vazia caída no chão, dois metros distante de onde ele está. O telefone mostra duas chamadas não atendidas e recados de voz, certamente confundidos com a buzina insistente do veículo que o atropelara e as vozes que o chamavam durante o sonho.
A noite foi agitada e ele está cansado, mas agora recomeça a rotina de cada dia. Entra no banheiro e tira a roupa. Olha sua imagem no espelho, esticando a cara e as sobrancelhas. Pega uma toalha, a coloca ao lado do box de vidro e entra para debaixo do chuveiro. Abre a água fria e, jogando a água no rosto com as duas mãos, fecha os olhos.

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