Tuesday, February 01, 2005

Passeando pelo séc. XVIII

Depois de entrar em uma das melhores livrarias do Rio, sem um rumo específico que não o de me inserir naquele infinito de possibilidades diversas, vaguei curioso. Olhava para todos os livros que estavam em meu caminho, como se buscasse por um – na verdade buscava, mas por uns instantes preferi o acaso – até que, cercado de beleza e riqueza por todos os lados, notei um livro com o qual já havia paquerado antes. A mais recente biografia de Beethoven estava ali, em cima de uma mesa largada na desordem – algo provavelmente proposital, para que um funcionário viesse depois e arrumasse todos aqueles variados títulos – olhando para mim, enquanto eu olhava para ela. Não me envergonhei da troca de olhares e fui para o ataque.
Assim que peguei o livro – que atiça com seu peso e volume de páginas – notei que havia duas poltronas perto de onde estava. Uma delas estava ocupada por um senhor de uns prováveis setenta anos que lia descompromissadamente um livro da loja, a outra ainda estava vazio – por pouco tempo. Sentei-me na poltrona, coloquei minha jaqueta preta no braço dela e comecei a folhear o livro. Bem, na verdade não estava disposto a folhear, queria mesmo era lê-lo por inteiro. Fui para o prólogo. Li-o por completo e passei para o primeiro capítulo, sem jamais me esquecer de volta e meia vigiar com o rabo do olho para me certificar de que não havia problema nenhum com isso. Passava um funcionário com bastante freqüência, mas ele nem se importava. Gosto desse tipo de estabelecimento, que se preocupa em deixar o cliente à vontade – à vontade o suficiente para abrir a carteira e gastar tudo o que tem depois de tanto conforto “gratuito”.
O trecho do livro que li mostrou que Beethoven teve problemas ainda aos dezesseis anos, quando fora para Vienna, para ter aulas com Mozart. Mozart era considerado fenômeno absoluto, embora Haydn tenha sido o mais famoso em toda a Europa – a volume da obra deste me parece incrível, se compararmos as nove sinfonias de Beethoven com as pelo menos oitenta deste. Na cidade provinciana onde Beethoven morava desde seu nascimento, Bonn, ele já era considerado o segundo Mozart. Mas infelizmente o menino teve que voltar pouco após arrancar elogios de seu novo mestre, como “olhe só para este menino e veja como ele toca, um dia ele vai curvar o mundo aos seus pés”. A mãe de Beethoven adoecera e logo após seu retorno foi vencida pela doença.
Beethoven agora sendo o único para cuidar de seus outros dois irmãos – eram três, mas dois meses após a morte da mãe, uma irmã de menos de dois anos morrera também. Seu pai era um alcoólatra conhecido pelo fracasso, tanto como pai como na carreira de violinista. Beethoven teve dificuldades financeiras para sustentar a si mesmo e a seus irmãos e, quando finalmente poderia retomar suas aulas com o mestre Mozart, agora esse é quem se despedira deste mundo.
O livro também traz cartas escritas por Beethoven, como por exemplo uma carta em que ele agradece um bordado feito por uma admiradora sua, uma pequena pianista de apenas dez anos de idade. Na carta ele a trata como uma pessoa bastante querida, embora nunca a tivesse visto, afirma que todos que são seus parentes agora são seus amigos também e se mostra como um homem modesto – já na fase mais madura de sua carreira, tendo composto a oitava sinfonia. Ele afirmara que, embora outros admirassem sua arte, um músico de verdade nunca estava satisfeito com o ponto em que está, sendo sempre impulsionado por aquilo que ainda não foi capaz de fazer.
Beethoven me encheu de orgulho. Queria muito o livro, mas ainda não era a hora. Tenho muitos livros ainda na lista de espera, mas este em breve encontrará o seu espaço na minha mesa de cabeceira. Coloquei o livro de volta na mesa bagunçada, passei de mãos vazias em frente à caixa e saí da loja. Plenamente satisfeito.

5 comments:

Anonymous said...

Livraria da Travessa na Rio Branco? Lugar propício a leitura, e o almoço lá é ótimo!

Anonymous said...

Vc fez eu chorar, sabia ?
Mas não um chorar triste e, sim um chorar gostoso por
ter o prazer de ler um texto tão simples, mas de uma grandeza...a simplicidade da sua alma faz a diferença.
Parecia que eu estava lá!

Beijos,
Catarina.

Anonymous said...

Afinal, qual a livraria? A livraria da travessa é muito legal.

beijo,
Marcela

Guilherme Martins da Costa said...

É a da travessa, mas de Ipanema.
Obrigado a todos, beijos e abraços.

Anonymous said...

Olá Guilherme, muito interessante seu blog... vou visitar mais vezes, ok? Beijo, Carlinha (sobrinha da J.)