Monday, March 14, 2005

Uma carta

Uma menina de 8 ou 10 anos, Emilie M., que tocava piano, certa vez bordou uma capa de livro para seu ídolo, contendo palavras de admiração. Segue abaixo uma carta escrita em resposta a ela, no dia 17 de julho de 1812, enquanto quem a escreveu estava se recuperando de um trauma psicológico causado pelo recrudescimento de sua surdez, num spa em Teplitz. Vale ressaltar que este não conhecia sua admiradora.



Minha querida e gentil Emilie, querida amiga!


Minha resposta à sua carta vai chegar atrasada. Uma grande quantidade de trabalho e uma enfermidade persistente podem me desculpar. O fato de que estou aqui para recuperar minha saúde comprova a verdade de minhas desculpas. Não roube a Haendel, Haydn e Mozart os seus lauréis. Eles os merecem, mas eu ainda não mereço nenhum.
A capa de livro que bordou será guardada como um tesouro, junto com outras provas de consideração que muitas pessoas me dispensaram, mas que ainda estou longe de merecer.
Persevere, não apenas pratique sua arte, mas se esforce também para compreender seu significado interior; merece o esforço. Porque apenas a arte e a ciência podem elevar os homens ao nível dos deuses. Se algum dia, minha querida Emilie, tiver o desejo de possuir qualquer coisa, não hesite em me escrever. O verdadeiro artista não tem orgulho. Ele vê, infelizmente, que a arte não tem limites. Ele tem uma vaga percepção de quão longe ainda está de seu objetivo; e, embora outros possam talvez admira-lo, ele lamenta ainda não ter chegado ao ponto, caminho que seu melhor talento apenas ilumina como um sol distante. Eu preferiria visita-la, e à sua família, que visitar muitas pessoas ricas que traem a si mesmas com a pobreza do íntimo do seu ser. Se algum dia for a H. (provavelmente Hamburgo), visitarei você e sua família. Não conheço maior privilégio do que ser incluído entre as melhores criaturas de seus semelhantes. Onde eu as encontro, aí também encontro o meu lar.
Se quiser me escrever, querida Emilie, mande sua correspondência diretamente para Teplitz, onde permanecerei por mais quatro semanas. Ou mande-o para Viena. Realmente não importa. Pense em mim como um amigo, seu e de sua família.


Ludwig van Beethoven


1 comment:

Rodrigo Santiago said...

Lembra do que conversamos ontem sobre bens internos e externos? Está aí, simplificado em uma troca de cartas.